No último dia 7, uma aprendiz em treinamento para habilitação de motorista causou a morte acidental de uma pedestre em Alexânia (GO). O trágico incidente ocorreu durante o exame prático de direção, quando a condutora, em seu depoimento à polícia, admitiu ter confundido os pedais do veículo. Enquanto aguardava a sua vez na fila, a vítima foi atingida por um carro descontrolado (juntamente com outras duas pessoas que escaparam sem ferimentos graves).

De acordo com relatos de testemunhas à polícia, o acidente ocorreu enquanto a aluna tentava estacionar o veículo. Enquanto tentava realizar a manobra, o instrutor orientou a motorista a se aproximar do meio-fio, resultando no atropelamento de três pessoas.

Embora o caso ainda esteja aguardando julgamento, surge a pergunta sobre quem deve ser responsabilizado pelo acidente. A aprendiz, que ainda não tinha sua habilitação, ou o instrutor que a acompanhava? Jessen Pires de Azevedo Figueira, um advogado com expertise na área, esclareceu os detalhes sobre essa tragédia e como as leis podem orientar a responsabilização. Quem é o culpado?

“Os centros de formação de condutores (CFC) e seus instrutores têm responsabilidade nos casos de acidentes causados por aprendizes durante as aulas práticas nas vias públicas, enquanto estão ao volante de carros, ônibus ou caminhões”, afirma Figueira.

“Um entendimento bem estabelecido é que os alunos firmam um contrato de prestação de serviços com os CFCs, prevendo, como regra legal, a responsabilidade objetiva dessas instituições (conforme estabelecido no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor) em casos de acidentes que resultem em lesões, ferimentos ou até mesmo mortes de seus alunos ou de terceiros durante as aulas. Ou seja, sob sua supervisão e autoridade, a instituição e seus profissionais têm o dever de garantir a segurança de todos”, explica o especialista.

Jessen esclarece que existem alguns princípios fundamentais para analisar o caso ocorrido com a aprendiz em Goiás, bem como outros casos semelhantes:

  1. Os veículos de instrução são equipados com dispositivos adicionais, como pedais extras para controle do instrutor, permitindo que o profissional intervenha para evitar acidentes.
  2. Os instrutores agem de forma negligente quando não conseguem evitar situações de perigo nas quais poderiam intervir. A jurisprudência reconhece que quem se beneficia de atividades de risco (neste caso, a instituição que forma motoristas) é responsável pelos prejuízos, conforme a ‘Teoria do Risco’.
  3. Existem exceções, embora raras, em que o aluno age com dolo (intenção de causar dano). Se for comprovado que o aluno deliberadamente causou o acidente, ele pode ser responsabilizado. No entanto, essa comprovação é geralmente difícil de obter na prática.

Exemplo Prático:

No ano passado, o Centro de Formação de Condutores (Centro Sul) e um instrutor foram condenados a pagar indenização a um pedestre atropelado por um veículo conduzido por um aprendiz em Brasília.

A 4ª Turma Cível do TJDFT destacou que a autoescola é responsável pelos danos resultantes de um atropelamento causado por uma manobra irregular de um aprendiz que estava dirigindo sem supervisão.

O autor do processo afirmou que estava caminhando pela calçada quando foi atingido nas costas, o que o fez cair. Ele relatou que o condutor do veículo da autoescola realizou uma manobra brusca de marcha à ré e passou por cima da sua perna direita. Além disso, o instrutor estava fora do veículo no momento do acidente, o que contraria as normas de trânsito e, segundo a vítima, foi uma atitude negligente.

A decisão da 1ª Vara Cível de Samambaia condenou tanto o centro de formação quanto o instrutor a pagar, de forma conjunta, R$ 40 mil por danos morais e estéticos. A vítima, no entanto, solicitou um aumento no valor da indenização.

Os réus recorreram alegando que não cometeram ato ilícito e que a vítima tinha culpa exclusiva. Eles argumentaram que o local onde ocorreu o acidente era utilizado por várias autoescolas e que o autor, em vez de usar a calçada, atravessou por trás do veículo conduzido pelo aprendiz.

Ao analisar os recursos, a Turma explicou que, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o motorista que faz a manobra de marcha à ré é o responsável pela segurança do deslocamento. Além disso, o colegiado enfatizou que caminhar pelo estacionamento não é motivo suficiente para atribuir culpa à vítima no acidente.

Concluindo, a Turma determinou que houve culpa tanto do instrutor, que permitiu que o veículo fosse conduzido sem supervisão por um aprendiz, quanto da autoescola. “O atropelamento resultou de uma manobra irregular do aprendiz e da negligência do instrutor em supervisionar adequadamente, tornando sua responsabilidade e a da autoescola evidentes”, afirmaram.

Quanto às indenizações, o colegiado destacou que o autor sofreu graves lesões, passou por uma longa internação e fez cirurgias ortopédicas, justificando a indenização por danos morais. Além disso, segundo a Turma, o pedestre ficou com cicatrizes permanentes e deformidade na perna direita, além de uma mobilidade permanentemente debilitada.

Dessa forma, a Turma decidiu aumentar o valor das indenizações e determinou que o instrutor e a autoescola deveriam pagar, de forma conjunta, R$ 30 mil por danos estéticos e R$ 30 mil por danos morais, totalizando R$ 60 mil em indenizações. A decisão foi unânime.